Ela estava quase sempre em casa.
Salvo às segundas-feiras (uma sim, outra não), dias em que tinha encontro de senhoras na igreja da qual era membro. E também saía para pagar as contas, fazer compras de supermercado, ir à feira. Não costumava fazer visitas sociais, nem precisava!
As pessoas sempre a procuravam, algumas vezes por meses a fio. E quando a encontravam, não queriam correr o risco de perder novamente o contato. Sendo assim, mantinham-se por perto.
Visitavam-na diariamente, incomum era o dia em que Dona Esperança não recebia uma pessoa amiga, previamente anunciada ou não. Especialmente nos horários das refeições. Fato corriqueiro era encontrar novos rostos à mesa do café e do almoço.
O dia favorito das visitas era domingo.
Dona Esperança sempre acordava mais cedo do que de costume aos domingos, para ter tempo de preparar grandes panelas de uma comida muito cheirosa para numerosos convivas.
Sentados à ruidosa mesa do almoço, relembravam fatos engraçados de um passado não muito distante, que garantiam ter sido bem mais feliz.
Normalmente, a conversa se estendia, atravessava a tarde e muitas foram as vezes que vi Dona Esperança arrumando o sofá para o pernoite de um ou mais visitantes.
Lembro vivamente de uma ocasião em que ninguém apareceu para o costumeiro almoço de domingo (que eu, de caçoada, chamava secretamente de "fila-bóia") .
A contrariedade de Dona Esperança azedou-lhe o semblante e o resto do dia. Enquanto guardava em diversos potes de tamanhos variados a comida preparada, resmungava:
"-Detesto fazer um monte de comida e não aparecer ninguém. É um desperdício, toda essa comida vai acabar estragando".
Depois de repetir por algumas vezes esse mote, sentou-se para assistir a programação vespertina, muito casmurra. Nesse dia recolheu-se mais cedo do que de costume.
Todavia, o habitual era o falatório, a casa povoada e alegre.
Infelizmente a casa cheia não conseguia tirar do íntimo de Dona Esperança certos sofrimentos.
Dores essas que ela deixava transparecer somente nos momentos em que, modorrenta, suspirava por cima do tricô ou do bordado; com o cenho carregado, momentaneamente embrutecido.
Também era comum encontrá-la sentada, quase catatônica, rememorando fatos que preferia esquecer. Quase nunca deixava de me contar o motivo do devaneio.
Dona Esperança tinha dois filhos biológicos que, malgrado seu, só lhe davam desgostos.
Um deles, já de meia-idade, passara a vida perseguindo ilusões, sonhos inalcançáveis. Era o que, comumente, as pessoas chamam de fracassado, um exemplo a não ser seguido.
Sem se dar conta disso, adorava jactar-se, fazendo-se importante. No entanto, não ajudava a mãe em nada e, como não tinha emprego, nem ajuda financeira podia prestar.
O outro, jovem ainda, abrigava o maldito vício da bebida. Não raro chegava em casa ébrio, trocando as pernas e as palavras, para total embaraço de Dona Esperança.
Este ainda trabalhava, mas empregava todos os ganhos em bebida e pândegas.
Dona Esperança sempre dizia que seu maior tormento era imaginar o que seria de seus filhos quando não mais estivesse presente para ampará-los.
Porém raras eram essas ocasiões em que se contristava. De um modo geral, tinha sempre um sorriso e uma palavra de ânimo nos lábios.
(conto livremente inspirado em fatos reais)